20/05/2018

TBM-03 Takao Uematsu Quartet/Quintet - debut (1970)


Título: debut
Data: 1970
Artista / Grupo: Takao Uematsu Quartet/Quintet
Nº do Catálogo: TBM-3, TBM-2503 (Reedição 1977)

Line-up:
Takao Uematsu - Saxofone Tenor
Sadayasu Fujii - Piano Eléctrico (Fender)
Yoshio Suzuki - Contrabaixo
George Otsuka - Bateria
Takashi Imai - Trombone

Faixas:
01 - Inside Parts (11:14)
02 - Stella By Starlight (09:37)
03 - T.I. (08:51)
04 - Sleep, My Love (07:49)


O álbum de estreia de Takao Uematsu viu nascer outro incrível e importante intérprete, a despeito de ter gravado tão pouco como band-leader. Takashi "Tee" Fujii reuniu aqui, por vezes um quarteto (faixa 1 e 2), por outras um quintento (faixa 3 e 4) que ombreia, sem dúvida, com a banda reunida em "Mine" (Takashi Imai, o trombonista que transforma o quarteto em quintento, é repescado desse álbum anterior). Ambos os grupos estão interessados em explorar, quais escafandristas musicais, o terreno fértil da improvisação. Ambos deixam os sons eléctricos do Fender, a bateria dinâmica, e o contrabaixo saltitante alcatifar as partículas do ar para deixar brilhar o tenor de Uematsu (contrário aqui a Kosuke Mine que usara soprano e alto). Em Inside Parts, a sonoridade brincalhona de Uematsu deixa os seus colegas com o difícil cargo de ajudantes de cozinha, uns temperando o prato principal devidamente arranjado pelo chefe, outros indo buscar à horta ingredientes que enriquecem a iguaria. O primeiro ímpeto do saxofonista é quebrar-se em ondas sónicas. A bateria do mais veterno George Otsuka dá palmadinhas nas costas da coluna de som do tenor, enquanto o Fender de Sadayasu Fujii permanece meio embaraçado, soltando acordes soltos. O contrabaixo de Yoshio Suzuki, portanto, faz-se ouvir mais, descendo e subindo degraus, tentando acompanhar a malandrice de Uematsu que chega sensivelmente a meio da faixa soprando ventos e colhendo tempestades. Depois, o seu silêncio deixa a banda em suspenso. É hora do trio restante se soltar e impressionar o líder. Fujii no seu Fender melodioso toma agora a dianteira; Suzuki, com as cordas cheias e gordas, não lhe fica atrás. Ambos solam na sombra de Otsuka que bate nos pratos como quem estala os dedos de uma mão. Uematsu, percebendo que deixou a banda em bons lençóis, volta à carga. A prova da sua intensidade acontece quando as notas se multiplicam e chegam à fronteira física do seu instrumento, desfazendo a sua clareza num êxtase. 

Como que dando a impressão que pratica no seu quarto, os primeiros segundos do standard Stella By Starlight, são tocados por Uematsu em silêncio absoluto. Há solidão, tristeza, um desconsolo de leve sorriso na cara. O resto da banda não tarda, porém, em puxar-nos para a sensação das paredes do estúdio ou clube de jazz. São eles que nos puxam para a realidade do virtuosismo. A bateria, o contrabaixo, o piano. E a melancolia de Uematsu e deste tema (contraponha-se com as versões de Miles Davis ou Bill Evans, etc.) transmuta-se, de súbito, em pretexto para explorar as dinâmicas do seu instrumento e dos seus companheiros. Vamos sendo guiados pela audácia destes instrumentistas que não têm medo de retocar (nos dois sentidos da palavra) este tema. É verdade que aqui tudo é competente, tudo é veloz, mas não escondemos a vontade de termos permanecido nas águas mais chorosas, líricas, prometidas ao início. Algum desse sentimento ainda pode ser encontrado no último minuto, após o solo do contrabaixo, quando o tenor vai progressivamente silenciando a banda e outra vez se desfaz num pranto, apenas para ser confirmado por uma bateria tremida e um contrabaixo e piano que fecham as portas da melodia.

Mas, inquietação é a palavra-chave da terceira faixa. O Fender "eu-bem-te-avisei" de Fujii e o contrabaixo feérico de Suzuki (esta composição é sua) alicerçam as premissas de T.I.: choro colectivo e compulsivo da humanidade, lúcida evidência da angústia, melhor faixa de debut. Quando Uematsu e Imai (o trombonista, pela primeira vez aparecido no álbum) entram com o mesmo corpo sónico, eles não pretendem provar nada a ninguém, mas antes reafirmar que as notas podem intuir lágrimas. Se o resto da banda está presente a seguir ao tema tocado pelos dois sopradores da saudade, é no monólogo do saxofonista que vale a pena afunilarmos os nossos ouvidos. É como se uma meditação interior fosse expurgada, colocada no mundo, presenteada para espectadores alheios que não conseguem evitar o contágio. É um solo digno de registo, daqueles que nos fazem agarrar à cadeira, daqueles que nos fazem arrepiar a pele. Mas, se as carpideiras não carpem para sempre, também o Fender de Fujii, surgido após o silêncio de quem disse tudo de Uematsu, representa aquele momento em que já se chorou o que havia para chorar. Soluçamos, pois, com os olhos ainda húmidos, escutando a doçura do momento imediatamente posterior a uma descarga emocional. E o trio contra-ataca: Suzuki e Otsuka, discretos, vão acrescentado palavras aos fraseados carentes de Fujii. Voltamos, depois, ao tema, mais seguros e menos emocionais. Mais mecânicos, em regime enfraquecido de déjà-vu. Suzuki, sem medos de pecar por excesso, fecha a composição com chave de ouro, não tentando falsificar lirismos com o seu contrabaixo, optando por sons mais moderados e racionais. Por distribuir a intensidade de forma exímia e por procurar sempre equilibrá-la numa fina corda, T.I. é também a faixa mais madura do ponto de vista dos timings de cada intervenção dos músicos.

Sleep, My Love é mais soturno, mais balada dervixe, mas está completamente na senda da faixa anterior. Se as primeiras duas interpretações do quarteto demonstravam a perícia técnica e o arrojo formal dos músicos, as duas últimas do quinteto pintam um lado mais perto das emoções, mas emoções frágeis, nocturnas, chuvosas sem se permitirem arrogar trovoadas: Uematsu, sempre com a boca no sítio certo, com as suas notas overblown, intensas, viscerais, vindas da alma; Imai, com espaço para finalmente solar no meio da onda sónica de uma banda energética mesmo quando fala de coisas do coração; Fujii com o seu Fender sem hesitações, sempre com um olho na bateria e outro no contrabaixo. São os três solos que desaguam, outra vez, no tema introspectivo e suavemente inquisitivo de Uematsu. Um excelente terceiro disco vindo da toca dos Três Ratinhos.


Classificação: ****
Melhor Solista: Takao Uematsu
Melhor Faixa do Álbum: T.I.

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